Por Juliana Góis
A internet é uma ferramenta extremamente necessária na vida atual. O rápido acesso à informação, a possibilidade de comunicação instantânea, o ensino remoto e o home office, além do entretenimento, fizeram crescer exponencialmente o número de usuários da web nos últimos anos. Hoje, este supera 2,5 bilhões em todo o mundo e contempla as diferentes faixas etárias.
A travessia de um período pandêmico colocou ainda mais em evidência as inúmeras possibilidades que a tecnologia nos oferece; inclusive, diante da necessidade de distanciamento social, foi ela que tornou possível nos sentirmos mais próximos uns dos outros. Contudo, em paralelo aos seus benefícios, ela nos deixa à mercê de riscos para a saúde mental, secundários à forma de uso de algumas de suas ferramentas.
Na era da comunicação sem fronteiras, onde os celulares estão à mão da grande maioria dos adolescentes e adultos, o compartilhamento de informações pessoais se dá a todo vapor nas redes sociais. “Quem não é famoso, hoje em dia?” - brincava comigo um amigo, em uma conversa. Nas redes, navegamos através da imagem pela vida de tantos indivíduos, acompanhamos o que eles expressam, exibem, consomem, fazem, vão e porquê.
Porém, essa possibilidade aumentada de exibição de identidades e intimidades no mundo virtual, por vezes, não corresponde a uma exposição verdadeira, mas sim a recortes selecionados, idealizados ou, até mesmo, fictícios. Nos deparamos com a exposição de rostos, corpo e estilos de vida que criam padrões e ideais inatingíveis. Vocês se lembram dos comerciais de margarina? Pois bem, nesse mecanismo, esse princípio baseado em ideais tornou-se tão frequente que já não gera estranhamento ao espectador. Porém, algumas vezes, ele pode gerar a sensação de falta, insegurança e insuficiência, há uma distorção da realidade e nela o que é natural torna-se imperfeito, diferente e aquém do que é postado e compartilhado por outrem.
Os avanços tecnológicos permitem sobrepor uma camada virtual sobre o mundo real e é possível seguirmos muito além nessa reflexão. Desde meados de 2015, a utilização de filtros se popularizou; esses dispositivos tornam possível, a partir de um simples toque, mudanças imediatas na imagem que a tela projeta. Os primeiros, em sua maioria, possuíam um caráter lúdico e acrescentavam ao usuário acessórios ou desenhos, como orelhas de animais, contudo, hoje predominam aqueles que modificam a fisionomia das pessoas e que são moldados a partir de padrões de beleza cada vez mais rígidos.
A princípio, não vejo problema nesse brincar de “faz de conta”, que pode ser divertido e até mesmo funcional em algumas vezes. Lembro-me de uma adolescente que ganhou dos pais a possibilidade de fazer mechas coloridas nos cabelos, ela testou comigo as possíveis cores antes de tomar sua decisão com o apoio desses recursos; sem dificuldade também, recordo do dia em que eu mesma precisava gravar um vídeo profissional e, sem maquiagem, num piscar de olhos, ou melhor, a partir de um único clique, estava com a maquiagem almejada. Entretanto, a questão que aqui se impõe é: até onde isso pode chegar?
Não são novidades os efeitos prejudiciais que se escondem por trás dos excessos. O mexe daqui, tira dali e põe acolá, factível às imagens compartilhadas, exacerbam o narcisismo no mundo digital, impondo padrões artificiais e dificilmente tangíveis.
Em uma breve pesquisa na internet, torna-se difícil não se impressionar com os dados e achados. No campo da estética chegamos ao ponto de num tropeço esbarrar no termo "Dismorfia do Snapchat”, que se caracteriza por uma preocupação excessiva com a aparência, levando a pessoa a medidas extremas, na tentativa de esconder ou disfarçar “imperfeições”.
Os desdobramentos secundários ao uso de filtros - que dentre inúmeras possibilidades afinam o nariz, levantam a sobrancelha, tornam os lábios mais cheios e capricham na simetria, bem como de uma maior maior exposição da própria imagem, também bateram na porta dos consultórios de cirurgia plástica.
Em um estudo da Academia Americana de Cirurgiões Plásticos, verificou-se que a motivação de 55% das pessoas que fizeram rinoplastias em 2017 foi o desejo de sair melhor em selfies. No artigo publicado em 2018, no JAMA Facial Plastic Surgery Viewpoint, concluiu-se que os aplicativos de edição de imagens nas plataformas de redes sociais provocaram o aumento no número de pacientes que procuram imitar a imagem oferecida a partir do uso dos filtros. Se em outras épocas a visita ao médico em busca por este tipo de procedimento era acompanhada pela fotografia de uma celebridade, o avanço desses dispositivos transformou o objeto oferecido como parâmetro: a própria imagem filtrada passou a ser apresentada pelo paciente como norteadora do seu desejo de transformação.
O leque de aplicativos que editam fotos é praticamente infinito e as possibilidades de edição se tornam cada vez mais diversas. A linha entre a brincadeira e preocupação estética exacerbada é tênue e é nosso dever, enquanto usuários dessas ferramentas, pais e educadores, ficarmos muito atentos, principalmente às gerações mais novas. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o Brasil lidera o ranking de cirurgia plástica entre jovens.
Todos esses dados apontam, de fato, o quão importante é esta reflexão e confesso preocupar-me diante do borrão que se fez entre o que é a realidade e o que é falso, entre a vida e o espetáculo. Podemos fazer uso de quaisquer recursos, mas sem nos aprisionarmos aos padrões impostos de acordo com a sociedade e o momento. A verdade é que uma vida vivida deixa sempre vestígios. As olheiras ao final do dia, muitas vezes, podem ser sinal de cansaço, o calo nos pés podem ser oriundos dos rodopios de uma grande bailarina e as linhas marcadas na lateral dos olhos, podem ser o indicador de que você é uma daquelas pessoas que carregam consigo um largo sorriso ou que riem muitas vezes dos acontecimentos do dia a dia.
Por fim, reforço que, sim, é imprescindível cuidarmos de nós mesmos, a busca por hábitos de vida saudáveis, que ajudam a nos sentirmos bem e bonitos é positiva e de grande valia para o bem estar. Porém, é preciso manter os pés no chão, lembrar que somos de carne e osso e que nem sempre será possível, necessário ou desejável disfarçar as próprias marcas. Será que existe uma beleza ideal? Costumo vê-la como algo subjetivo e singular. Afinal, será que o que encanta meus olhos encanta os seus também?
Juliana Góis é Orientadora Educacional de Apoio à Aprendizagem no Colégio Rio Branco, psicóloga e psicopedagoga, especialista em Neuropsicologia e mestre em Neurociência. Atua na área clínica e educacional.