Bullying: entendendo as perspectivas da vítima, do agressor e das testemunhas.

Tem gente que lhe arranca o coração e tem gente que o coloca de volta em seu lugar.
Elizabeth David

Todos sabemos que o ser humano é em si um ser social, bem como todos somos cientes dos desafios que a convivência em grupo impõe. Nesse sentido, torna-se utópico a crença de que as afinidades entre os indivíduos se sobrepõem a toda e qualquer divergência, ao ponto de passarem despercebidas. A verdade é que o cotidiano também contempla eventuais discussões, críticas que desagradam, comentários ácidos, conflitos entre opiniões, dias ruins, “brincadeiras” que incomodam e brigas no pátio do colégio.

Porém, nos preocupa quando o casual se torna rotina; quando atos, palavras ou comportamentos que geram sofrimento e danos a outrem são utilizados de forma intencional, frequente e sistemática, direcionados, deliberadamente, a alguém, por uma ou mais pessoas. Nesses casos, estamos diante de um ato de violência, nos deparamos com o bullying. Infelizmente, essa problemática que acomete diferentes faixas etárias também permeia diversos ambientes, dentre eles: o condomínio, o clube e, mais comumente, a escola.

Nos casos de bullying, há uma tríade: a vítima, o autor e as testemunhas. A vítima é quem tem uma ou mais características colocadas em evidência, sejam elas de ordem física, cognitiva ou comportamental - o alvo usual costuma ser aquele que não se enquadra, por qualquer razão, em um padrão preestabelecido pelo agressor. Algumas manifestações comuns a estas crianças e adolescentes que podem ser percebidas no dia a dia são: frequência irregular às aulas, pedidos para troca de sala sem justificativa aparente, baixa autoestima, tristeza ou irritação contínua e queda brusca no rendimento escolar.

Em sua maioria, as vítimas têm dificuldade de expor os seus sentimentos em relação ao acontecimento, muitas vezes assumindo uma culpa por não se enquadrar dentro daquilo que acaba entendendo por ser um padrão necessário e obrigatório. Dessa forma, quando a vítima é uma criança, é preciso que os adultos que a acompanham tenham a sensibilidade de perceber as pequenas alterações comportamentais, tais como as descritas acima, além de estimulá-la a compartilhar tanto a situação vivenciada quanto os sentimentos que ela desperta. Isso pode ser feito por meio do diálogo, da arte, da escrita, de leituras ou mesmo por meio de brincadeiras. Ações como estas estreitam laços e permitem o acolhimento das feridas que se abrem pelas agressões, que podem ser praticadas de forma física, verbal, social, psicológica, material ou virtual. O tempo e a regularidade das mesmas contribuem de maneira significativa com o agravamento dos seus efeitos, podendo até mesmo haver a manifestação de transtornos psiquiátricos como quadros de depressão e sintomas de ansiedade, entre outros - o que reforça a importância de estarmos atentos aos sinais e agirmos de forma rápida e assertiva a fim de resolver a situação.

Nós, adultos, pais e educadores, também precisamos olhar com zelo para o outro lado da moeda, o viés dos autores (aqueles que cometem as agressões), para que possamos buscar compreender o que desencadeia este tipo de comportamento. Algumas vezes, há uma distorção de pensamento e a agressividade é vista por ele como uma qualidade; há, como intenção, por exemplo, o sentir-se popular no grupo. Já em outras, trata-se de um indivíduo com questões psíquicas específicas ou mesmo histórico de agressões direcionadas a si e que, por essa razão, de alguma forma, transfere suas marcas pessoais por meio da agressividade ao outro.  

Além da vítima e do autor, não podemos deixar de citar as testemunhas. Elas são o entorno, os pares não diretamente envolvidos nas agressões, mas que presenciam estes acontecimentos sem se manifestarem. Em geral, este silêncio, a tendência de se calar se dá por receio, ninguém almeja vir a se tornar a próxima vítima em um cenário tão hostil como esse. Não é ao acaso que se tem a implementação da Lei Antibullying (Lei 13.185/15), em nosso país.

No ambiente escolar, enxergamos os reflexos da sociedade. Vejam como é poderoso o valor do exemplo: quão mais intolerantes, agressivos e preconceituosos ou mesmo indiferentes formos ao outro, maior será o índice de crueldade, injustiça, intolerância e passividade nesse micro organismo social onde as nossas crianças e adolescentes passam grande parte do seu tempo e interagem com o maior número de pessoas.

Acreditamos que é nosso dever propiciar na escola um ambiente saudável e que a melhor forma de agir é a prevenção. Na receita da boa convivência, colocamos o respeito como ingrediente principal, mas acrescentamos algumas outras sugestões que podem torná-la ainda mais harmoniosa.

  • Fortalecimento do vínculo com a família e o aluno: o diálogo favorece uma comunicação aberta e sincera; por meio da confiança conseguimos nos apropriar dos acontecimentos, o que abre espaço para possíveis reclamações, queixas ou mesmo denúncias.
  • Ações que levem em conta a temática da diversidade: no Colégio Rio Branco, por exemplo, no “Projeto Com-Vivência”, questões sociais e comportamentais que estão em evidência na turma são trabalhadas com as crianças em um momento específico da semana. Já entre os adolescentes, essa é uma temática recorrente, por exemplo, nos encontros de mentoria organizados pela Orientação Educacional.
  • Estimulação à cooperação e aos trabalhos em grupo: nessas situações a atenção dos alunos dirige-se para execução de uma tarefa em comum e não para aquilo que os distingue. Estabelecer regras com o grupo coerentes com os valores da instituição e com seu respectivo regimento escolar.
  • Esclarecer toda a equipe sobre o que é o bullying, como preveni-lo e a importância da identificação precoce deste tipo de situação para tomada de ações imediatas.
  • Reconhecer e valorizar as atitudes dos alunos que demonstram assertividade, empatia e respeito ao outro.

Por fim, sinta-se à vontade para acrescentar novos ingredientes ou mesmo para adaptar a receita para outros contextos - inclusive o familiar. Se é dito que grandes coisas são feitas pela junção de muitas pequenas coisas, que façamos cada um, à sua maneira, pequenos gestos em prol de uma sociedade mais igualitária. E você, o que acrescentaria?

 


Juliana Góis é Orientadora Educacional de Apoio à Aprendizagem no Colégio Rio Branco, psicóloga e psicopedagoga, especialista em Neuropsicologia e mestre em Neurociência. Atua na área clínica e educacional.

 

Comentários (2) -

  • Gostaria de acrescentar que dinâmicas, usando a empatia dentro da sala de aula seria muito bem vinda, isso tanto para crianças como adolescentes. É entender que:
    O que leva a pessoa a cometer o bullying?
    Fazer com que  o agressor entenda como a pessoa que sofre o bullying se sente?  
    Qual o papel das testemunhas? É dá força ao agressor ou é defender o que sofre?
    Discutir na sala de aula sobre  a dinâmica,  fazer um fechamento, entender quais conclusões chegaram.
    A magia acontece quando entramos em ação. Entrar em ação faz as competências aflorarem!
    Acredito que fazer os agressores passarem pelo mesmo constrangimento seria muito interessante e importante, assim ele sentiria o mesmo e acabaria concluindo que o que ele faz é inadmissível, que fica ruim para ele e para quem sofre o bullying.
    Obs.: sou mãe de uma adolescente que sofre muito bullying, o tipo de bullying chamado rejeição, mas que mesmo assim ama o Rio Branco! Hoje em dia está sofrendo com muita crise de ansiedade! Será que precisamos chegar a esse ponto?
    Precisamos de mais ação!
    Escrevi como uma pessoa que não pensa só na minha filha, mas sim em toda a escola!
  • Gostaria de acrescentar que dinâmicas, usando a empatia dentro da sala de aula seria muito bem vinda, isso tanto para crianças como adolescentes. É entender que:
    O que leva a pessoa a cometer o bullying?
    Fazer com que  o agressor entenda como a pessoa que sofre o bullying se sente?  
    Qual o papel das testemunhas? É dá força ao agressor ou é defender o que sofre?
    Discutir na sala de aula sobre  a dinâmica,  fazer um fechamento, entender quais conclusões chegaram.
    A magia acontece quando entramos em ação. Entrar em ação faz as competências aflorarem!
    Acredito que fazer os agressores passarem pelo mesmo constrangimento seria muito interessante e importante, assim ele sentiria o mesmo e acabaria concluindo que o que ele faz é inadmissível, que fica ruim para ele e para quem sofre o bullying.
    Obs.: sou mãe de uma adolescente que sofre muito bullying, o tipo de bullying chamado rejeição, mas que mesmo assim ama o Rio Branco! Hoje em dia está sofrendo com muita crise de ansiedade! Será que precisamos chegar a esse ponto?
    Precisamos de mais ação!
    Escrevi como uma pessoa que não pensa só na minha filha, mas sim em toda a escola!

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