18/06/2025
Mariangela Hungria, pesquisadora e riobranquina que conquistou o Nobel da Agricultura
Ex-aluna do Colégio Rio Branco, engenheira agrônoma e microbiologista, Mariangela Hungria, conquistou o Prêmio Mundial da Alimentação 2025, o "Nobel da Agricultura". Pesquisadora da Embrapa Soja e riobranquina da turma de 1975 é reconhecida por seu trabalho pioneiro no desenvolvimento de insumos biológicos que revolucionaram a agricultura no Brasil. Suas pesquisas resultaram em tratamentos biológicos para sementes, que aumentaram a produtividade das principais culturas e reduziram a necessidade de fertilizantes químicos.

Sua pesquisa inovadora teve grande impacto na área: aplicação em mais de 40 milhões de hectares no país, geração de uma economia de até US$ 25 bilhões por ano para agricultores e redução da emissão de mais de 230 milhões de toneladas métricas de CO2 por ano.
A riobranquina também é autora de mais de 500 publicações acadêmicas e produziu o primeiro manual em português para métodos de microbiologia do solo adaptados aos trópicos.
Como foi sua trajetória após sair do Colégio Rio Branco?
Após a saída do Colégio Rio Branco, fui estudar Engenharia Agronômica em Piracicaba, na Esalq - USP. É importante notar que, na época, não era considerada uma boa profissão. E foi muito engraçado, até os professores ficaram preocupados, porque a minha classe inteira foi para a área médica - médicos, odontologistas, enfermeiros, fisioterapeutas, e eu ali, na agronomia. É muito bom que as coisas mudaram em todo esse tempo. Mas eles diziam que eu era determinada e que eu queria isso, então me apoiaram.

De onde veio seu interesse pela ciência e pela agronomia?
Eu tenho, desde criança, essa vocação de ser cientista. E aí, aos 8 anos, quando li um livro sobre os microbiologistas, falei: quero ser microbiologista. Como eu ficava muito triste quando via pessoas passando fome, queria trabalhar com alguma coisa de produção de alimentos, contribuir para nunca mais ter alguém passando fome. Por isso eu fui fazer agronomia.
E como foi sua formação como cientista?
Como eu sonhava em ser cientista, fui também fazer algo que não era comum na época, fui direto para o mestrado. Consegui uma bolsa de estudos, também na Esalq, e fui fazer doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lá, tinha a maior cientista dessa área do Brasil, a doutora Johanna Döbereiner, que inclusive foi indicada para o Prêmio Nobel de Química. E eu queria aprender com a melhor que tivesse. Passados oito meses, ela me chamou e disse que iria me contratar. Isso foi maravilhoso!
Você acaba de ganhar o Prêmio Mundial da Alimentação. Por que acha que foi escolhida?
O "Nobel da Agricultura"? Eu acho que foi muito por resiliência, resistência e persistência. Porque quando entrei na faculdade, na metade dos anos 1970, a ideia era que a gente tinha que produzir alimentos e estava indo super bem. Talvez vocês não saibam, mas até a década de 1960, imagina só, tínhamos que importar alimentos, a gente não conseguia produzir o suficiente aqui para a população comer. Então, houve esse grande salto na pesquisa agropecuária que possibilitou não só produzir, como exportar, e esse salto se deveu, a partir dos anos 1970, muito graças a tecnologias que foram desenvolvidas por nós e que hoje somos líderes para a agricultura tropical.
E qual foi o seu papel nesse contexto?
Antes, só se conhecia as tecnologias para a agricultura temperada: Estados Unidos, Europa, Canadá… E a agricultura para as nossas condições é totalmente diferente. Havia muita, muita, muita adubação química. E eu falava: tem que ter um espaço para os biológicos, né? Não é possível que não tenha um lugar para os biológicos. Isso era mal visto, mas eu persisti. Nunca desviei um centímetro daquilo que eu acreditava desde criança. É difícil no começo da carreira você estar em algo que ninguém acredita. Estar empolgada, cheia de energia, em algo que não tem dinheiro para pesquisa, que as pessoas falam que não vai ter futuro. Isso desanima, mas nunca me desanimou, porque eu tinha certeza de que eu estava no caminho certo.
Como foi seu trabalho com biológicos na agricultura?
Existiam outros países do mundo, outros pesquisadores, que estudavam o papel dos biológicos em pequena escala, tipo agricultura familiar ou agricultura orgânica. E eu sabia que no Brasil não podia ser assim. Eu tinha que achar micro-organismos que ajudassem as pessoas. Substituir parcial ou totalmente os químicos para uma agricultura altamente produtiva, porque eu queria alcançar a agricultura do Brasil. Acredito que isso contribuiu para o reconhecimento do prêmio, eu não queria uma coisa pequena. Eu queria algo que fosse para todos os agricultores, do pequenininho até o grande, para todos os tipos de agricultura.
E isso levou quanto tempo?
Isso não é coisa de um mês, um ano, cinco anos, foi o resultado de 40 anos de pesquisa. Quando vem a sua primeira vitória, essa vitória já te dá duas novas ideias que vão dar mais duas vitórias. Acho que o trabalho que conduzi contribuiu muito para essa posição que temos hoje, de sermos os maiores líderes mundiais no uso de biológicos na agricultura.

O que mais você destacaria do seu trabalho?
Um grande diferencial que contribuiu e que pouquíssimos fazem, talvez só nós mesmos façamos isso como grupo de pesquisa, é que fazemos o genoma no laboratório, passamos pela seleção dos microrganismos, ajudamos o desenvolvimento industrial até o campo, falando com o agricultor. Então, eu posso falar que ninguém no mundo faz do genoma até o agricultor. Trazemos satisfação em todos os campos, da ciência básica e do reconhecimento da nossa parte científica no exterior. Eu estou lá entre os mais importantes do mundo, cientificamente, na área de ciências agrárias. Até o agricultor que vem, me liga, agradece, usa, diz que melhorou a qualidade de vida dele, porque ganhou mais dinheiro.
Você mencionou o meio ambiente como uma grande preocupação. Como o seu trabalho impacta nisso?
Eu sempre fui muito preocupada com o meio ambiente. E agora estamos numa situação de que realmente pode não ter volta. E os biológicos substituindo os químicos é uma coisa muito importante. No Brasil, ao contrário da Europa ou Estados Unidos, o setor agropecuário é o que tem maior porcentagem de responsabilidade na emissão dos gases de efeito estufa. Então eu realmente me empenho muito em trabalhar nesse sentido. A substituição dos biológicos pelos químicos permite uma grande mitigação na emissão dos gases de efeito estufa. Pegando como exemplo só o caso da soja: não colocando o nitrogênio fertilizante na soja, porque as nossas bactérias já o fornecem por um processo biológico, na última safra, deixamos de emitir 240 milhões de toneladas de gás carbônico. É uma enormidade. Agora, quero terminar a minha carreira com a parte de pastagens degradadas. O gado comendo pastagem de má qualidade, emite muito metano, que é muito poluente, além de ser um gás de efeito estufa, fora o CO2, porque essas pastagens estão degradadas. Então, estou trabalhando na recuperação biológica e os resultados estão sendo fantásticos nessas áreas de pastagem.
E o que o Colégio Rio Branco representa para você?
E falando do Rio Branco, como eu amo o Rio Branco! Extrema gratidão, lembranças positivas. O Rio Branco foi a coisa mais maravilhosa que aconteceu na minha adolescência. Eu vim do interior de São Paulo, queria muito estudar. Minha mãe trouxe a gente para ter melhores condições de estudo, mas tínhamos dificuldades financeiras. Minha mãe, que era sozinha com dois filhos,bateu nas portas do Rio Branco: era o professor Norton, ele acolheu a gente e deu bolsas de estudos.
E o que o Colégio Rio Branco representa para você?
Sou eternamente grata. Porque além da formação acadêmica, que foi maravilhosa, houve a formação humana, o respeito que era cultivado nas crianças, nos adolescentes, a solidariedade, o pensamento voltado para o coletivo. Isso ficou em mim. E eu vejo que hoje, tudo que eu faço, tem um pezinho lá atrás, no que eu aprendi ali. É uma escola que marcou a minha vida profundamente. E eu falo isso com muito amor, sabe? O Colégio Rio Branco me deu base, me deu força, me deu oportunidade. Me acolheu. E, às vezes, a gente não tem ideia do impacto disso na vida de uma pessoa. Então, o que eu posso dizer é: obrigada. Obrigada por tudo. Eu levo o Rio Branco no coração.