Ponto de Vista

O impacto mercadológico do Enem

Por Esther Carvalho (texto publicado no Perfil Econômico | 31 de agosto de 2015)

O Enem, Exame Nacional do Ensino Médio tem gerado impacto mercadológico nas instituições de ensino privado uma vez que, embora tecnicamente não seja um exame de avaliação de instituições, a publicação de seus dados, na forma de ranking, dissemina e fortalece a ideia de que melhores resultados na média dos alunos significam, necessariamente, maior qualidade da escola.

Segundo Eduardo de Carvalho Andrade, doutor em Economia pela Universidade de Chicago e professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, em seu artigo Rankings em Educação: tipos, problemas, informações e mudanças, “caso os pais/alunos escolham as suas escolas com base neste ranking, isto pode levar a uma segregação no mercado. Isto porque as escolas melhores ranqueadas teriam um excesso de demanda, selecionariam cada vez mais os melhores alunos dentro do pool maior disponível de candidatos e, como resultado, manteriam ou melhorariam suas posições no ranking. O contrário se verificaria com as escolas relativamente piores. O problema é que estas últimas podem ser as mais eficientes na produção do serviço educacional.”

Dentre os mecanismos para obter bons resultados está a captação de alunos de alta performance e a exclusão dos alunos que apresentam desafios em rendimento escolar por diferentes razões. Escolas que valorizam a diversidade de alunos, esses vistos como matéria prima para desenvolver um trabalho consistente de formação, tendem a ser prejudicadas nos rankings. Essa diversidade está baseada na presença de distúrbios de aprendizagem, na inclusão e nos diferentes projetos de vida. Quanto mais seletiva for a escola, mais homogênea tende a ser a sua população de alunos. Quanto maior atratividade tiver a instituição, mais ela consegue selecionar seus alunos. Acolher a diversidade significa perder posições no ranking do Enem mas, por outro lado, significa a possibilidade de formar pessoas mais preparadas para viver e produzir, colaborativamente, com indivíduos diferentes, complementares. Acolher a diversidade não significa ter baixas expectativas. Pelo contrário, significa promover e buscar o melhor de cada pessoa, de cada cidadão.

A importância dada ao Enem é tão grande que, muitas vezes, pais de crianças que estão no início da escolarização da Educação Infantil ou do Ensino Fundamental buscam escolas bem posicionadas no Enem para serem a instituição do seu filho. Uma criança que estuda no maternal e tem, portanto, cerca de três anos de idade, estará prestando algum exame seletivo para universidades brasileiras em 2029. A despeito do fato de que não temos ideia hoje sobre quais serão os processos de ingresso no Ensino Superior nessa época, uma escola que traz bons resultados no Ensino Médio em 2014/2015 não necessariamente tem o melhor projeto de formação para as crianças menores. É necessário reunir outros indicadores para se optar pela instituição. Qual é o projeto de formação dessa instituição, como ela constrói no cotidiano esse projeto, como é tratado o desenvolvimento profissional dos educadores, quais os valores e da família e em que medida eles se alinham com os da instituição, são algumas das perguntas que devem ser feitas para escolher a escola.

Embora o Enem tenha um peso muito grande na escolha das famílias, o conhecimento sobre o exame e o que ele significa de fato é muito frágil na maioria das vezes. O que predomina é o ranking das médias objetivas. Visando a criar maior consciência por parte da população acerca dos avanços e limites que os dados apresentam, o Inep, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira publicou os resultados do Enem 2014 reunindo indicadores como taxa de participação, formação docente, taxas de rendimento, porte da escola, nível socioeconômico e permanência na escola. O cruzamento desses três últimos indicadores foi divulgado em apresentação pelo presidente do Inep, Francisco Soares. O tempo de permanência dos alunos nas instituições, por exemplo, procura medir o quanto os alunos que fizeram exame cursaram o Ensino Médio por completo na instituição. Esse índice nos revela que das 10 escolas de média mais alta das provas objetivas do país, 80% dos alunos cursaram apenas o último ano nessas instituições. Em que medida esses resultado podem ser atribuídos apenas a qualidade do trabalho da escola? Francisco Soares afirma que "Essa informação é importante para que a sociedade conheça quais são as escolas que realmente ajudam seus alunos a melhorarem, que oferecem educação de qualidade durante todo o Ensino Médio, e quais são aquelas que, simplesmente, selecionam alguns para cursarem apenas o terceiro ano", disse ele.

São tantas e complexas as variáveis que compõem os resultados dos exames do Enem que é necessário cautela para se inferir sobre a qualidade das instituições de ensino baseadas nesse único indicador. Existem instituições que querem resultados a qualquer preço, existem instituições que querem resultados como fruto de um trabalho pedagógico consistente. Não se pode reduzir anos de formação aos resultados de um exame que não é obrigatório e cuja aplicação depende do projeto de vida do aluno. É fundamental que aquele que precisar prestar o Enem para ser bem sucedido no Ensino Superior esteja preparado para se sair bem. O que se pretende não é desvalorizar o exame e seus pressupostos de avaliar competências e habilidades. Tão pouco se quer reduzir as instituições de ensino a seus resultados.

 

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Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco