Ponto de Vista

Qualidade em educação e professores de qualidade

Por Esther Carvalho (texto publicado no Perfil Econômico | 20 de julho de 2014)

Dentre as complexas e interdependentes variáveis que compõem uma educação de qualidade, pesquisas demonstram que a atuação do professor é a que mais impacta no aprendizado e sucesso dos alunos. Nesse sentido, a formação dos docentes e seu desenvolvimento profissional, assim como a valorização da carreira do professor, têm importância fundamental no aprimoramento das políticas públicas em Educação. Não é por acaso que o novo Plano Nacional de Educação, o PNE, recém publicado, destaca cerca 20% de suas metas para a valorização e formação dos profissionais do magistério.

Para subsidiar esse tema, foram publicados, no último mês, dois estudos que tratam da formação continuada dos professores.

O primeiro deles, já em segunda edição, é o Teaching and Learning International Survey (TALIS), ou Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem, coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Sua primeira versão foi publicada em 2008 e trouxe dados comparáveis sobre o ambiente de aprendizagem e as condições de trabalho dos professores de 24 países, dentre eles o Brasil. A mais recente versão, o TALIS 2013, amplia sua amostra para 34 países e tem como público-alvo professores dos anos finais do Ensino Fundamental e seus diretores, tanto de escolas públicas quanto de escolas privadas.

O segundo estudo, denominado Formação Continuada de Professores no Brasil, foi desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna e o pelo The Boston Consultant Group (BCG). Pretende contribuir para a formulação de políticas públicas no que se refere ao desenvolvimento profissional de professores que já estão em exercício. Traz caminhos e desafios na implementação de propostas consistentes e eficazes nesse sentido, assim como referências nacionais e internacionais de iniciativas inovadoras bem sucedidas que, em melhorando a qualidade de seus professores, trouxeram grande impacto na qualidade da aprendizagem de seus alunos. Nas boas práticas brasileiras, destacam-se os estados de Goiás e Minas Gerais, assim como os municípios de Sobral, no Ceará, e Venda Nova dos Imigrantes, no Espírito Santo. Finlândia, Chile e México, assim como o estado de Vitória, na Austrália, e os municípios de Xangai, na China, e Hillsborough County, nos Estados Unidos, são os exemplos internacionais apresentados.

Dos dados comparáveis entre Brasil e a média dos países participantes da TALIS destacam-se alguns aspectos: como elemento de autoeficácia e satisfação pessoal, 80% dos professores brasileiros declara ter melhorado suas aulas após ter recebido retorno sobre suas práticas de sala de aula, contra 62% da média do estudo, e 78% do Brasil, contra 59% da média, depois de receber informações sobre as notas de seus alunos. Professores brasileiros utilizam mais tempo de sua aula, cerca de 20%, para manter a ordem do que a média dos países, que é de 13%. Essa perda no tempo didático, ou seja, aquele gasto efetivamente para o processo ensino e aprendizagem, também se dá com procedimentos administrativos na sala de aula. O resultado é que, no Brasil, o tempo didático da aula é de 69%, contra 79% da média dos países participantes.

Quanto à formação acadêmica, quase todos os professores no Brasil, cerca de 90%, concluiu o ensino superior. Entretanto, cerca de 25% dos mesmos não fez curso de formação de professores que envolve conteúdo, pedagogia e práticas sobre os conteúdos que lecionam. No Chile, por exemplo, 9 entre 10 professores concluíram esse tipo de curso, assim como quase sua totalidade na Austrália. Para ser um bom professor, por exemplo, de História, não basta ser um historiador, dominar os conteúdos dessa matéria. Há que se saber como ensiná-la.

O estudo desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna e The Boston Consultant Group traz os principais desafios da formação continuada no Brasil. Não há, por exemplo, incentivos formais para esse fim na destinação orçamentária para a educação. Embora no novo PNE tenha se instituído que os investimentos públicos em educação atinjam 7% do PIB nos próximos cinco anos e 10% do PIB no final de dez anos, há que se ter regras específicas que definam a aplicação em formação continuada dos professores. Outro aspecto é que grande parte das ações de formação acaba não se revertendo em benefícios diretos nas salas de aula. Por vezes, os programas ou iniciativas são considerados teóricos demais pelos professores, o que compromete a motivação dos mesmos para se aprimorar. Embora não tão frequente no Brasil, a mentoria de professores destacados na escola, comprometidos com o desenvolvimento profissional de seus colegas menos experientes ou menos eficazes, tem grande impacto na implementação de boas práticas.

Ainda segundo o estudo, no que se refere à aplicação de recursos nas redes de ensino, gestores públicos por vezes optam por ações de curto prazo e alta visibilidade em detrimento de expressivo retorno na aprendizagem dos alunos. Cabe ressaltar que ações propostas entre esferas federais, estaduais e municipais não são convergentes e/ou otimizadas. Existem, por exemplo, iniciativas federais voltadas para a formação continuada, como as da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Capes e da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB) cujos recursos existentes nem sempre são acionados pelos estados, seja por desconhecimento, seja por intenção de desenvolver política de formação continuada própria.

Outros aspectos, como a alta rotatividade dos docentes nas redes, assim como a falta de alinhamento entre programas de formação continuada com plano de carreira e desenvolvimento profissional dos professores, são elencados como fatores que impactam na qualidade do trabalho em sala de aula.

Estudos sérios dão referências importantes para nortear a formulação de políticas públicas que proporcionem educação de qualidade para todos. Cabe ao poder público e à sociedade civil como um todo buscar caminhos efetivos para que os professores brasileiros sejam valorizados, preparados, apoiados e cobrados a fim de que desenvolvam um trabalho competente e eficaz para que seus alunos aprendam mais e melhor.

 

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Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco