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14/05/2018

Ex-alunos estudam na Universidade de Coimbra e participam da Queima das Fitas

As universidades, nacionais e internacionais, tem muitas tradições que marcam a vida acadêmica dos alunos. Uma delas é a Queima das Fitas, em Portugal, que teve início na Universidade de Coimbra no final do Século XIX, acontecendo até os dias de hoje nos meses de maio, marcando o final do ano acadêmico.

Guilherme Mora e Vittorio Alves

Neste ano, os riobranquinos Guilherme Mora e Vittorio Alves, que estudam Engenharia e Jornalismo e Comunicação na Universidade de Coimbra, participaram desta festa e destacaram a importância desse momento para os estudantes.

Confira o relato de Vittorio, feito especialmente para o Rio Branco, sobre a Queima das Fitas e sobre a vida acadêmica!

Um estudante em Coimbra: da Queima das Fitas à vida de todos os dias

Notas: 1. Cabra - sino da torre da Universidade de Coimbra. O nome insólito acaba por designar tanto o sino quanto a torre. Situada no Paço das Escolas, tem aparência de coruja, que é símbolo da sapiência. A Cabra recebeu seu apelido dos antigos estudantes enraivecidos que eram acordados por seu badalar matinal. 2. Mondego - rio que corre por Coimbra. 

I - Capas negras de memórias, fitas que contam histórias

O sol poente é gentil e faz questão de secar cada gota fria que escorre pelas nossas vestes académicas. Ele se põe atrás do Mondego, resvala no mosteiro de Santa Clara, tinge o céu em paleta impressionista e deixa seus raios esparsos encontrarem-se à velha Cabra, que desponta da colina e zela por seus filhos. Ilumina os jovens deitados na relva. Todos molhados em águas pelas quais foram outrora batizados. O sulco que dá vida a Coimbra, veia pulsante em cada jovem. Todos em preto e branco, deitados sobre as suas capas. Todos filhos prodigiosos deste rio. 

A máxima de Heráclito não se aplica aqui. Entrarei neste rio, eu o mesmo e ele o mesmo, por todo o meu tempo em Coimbra e além dele. Isso porque em suas margens sempre deixarei aquilo que é acessório. Cada construção simbólica será deitada calmamente na relva, sob as árvores. E ao olhar para ele, Mondego, serei jovem aberto e vulnerável. Serei o medo e o triunfo da garra sobre o medo. O mergulho sem a certeza da volta. 

Vim hoje mergulhar em suas águas e deitar-me às suas margens porque o Cortejo aqui me trouxe. O Cortejo é o ápice da maior festa académica conimbricence, a Queima das Fitas. Trata-se de um extenso e lento desfile de carros alegóricos. Há um para cada curso da universidade. Recebem a cor da Faculdade à qual pertencem e são ornados com menções cómicas a qualquer coisa que lembre a designada área do conhecimento. A largada é dada na Acrópole coimbrã, em frente às faculdades do polo histórico da Universidade. Desce-se então para a cidade, passando por ruas e praças inundadas com turistas e familiares dos estudantes. A música não vem de qualquer caixa amplificadora, mas das milhares de vozes que entoam os hinos dos diferentes cursos.

A Queima das Fitas, por sua vez, é a própria insígnia da paixão e saudade portuguesa. A festa marca a primeira vez em que os caloiros vestem o traje académico e ao mesmo tempo assinala a despedida dos estudantes finalistas. Começa quando o sino da Cabra bate meia noite em algum dia no começo de maio e os fadistas da Associação Académica (AAC) dão início à Serenata Monumental. Cantam dos degraus da Sé Velha para um mar de capas negras que vai até o olho não conseguir mais ver. A igreja é o coração da cidade. Parece uma fortaleza luso-moura em cor de areia molhada e de seus entornos saem ruas capilares para todos os cantos de Coimbra. Já a música é um cântico do destino. “Segredos dessa cidade | levo comigo para a vida” são dois dos versos de uma das mais famosas baladas tocadas. 

O fado é a centelha de vida em Coimbra. Pelos corredores da AAC ouve-se frequentemente o dedilhar das cordas, e qualquer encadeamento despretensioso de acordes soa como um concerto íntimo. Os componentes da Secção de Fado da AAC preparam-se o ano inteiro para a Serenata Monumental. À ela procuram levar canções inéditas e originais a cada edição. 
Como tradição recente (quando vista pela luneta secular da academia de Coimbra), mas já sedimentada na programação da Queima das Fitas, estão as Noites do Parque. Monta-se uma estrutura gigantesca na margem de lá do Mondego, semelhante à de um festival. Dois grandes palcos, três palcos menores, dezenas de barracas com comidas e bebidas, um brinquedo giratório de parque de diversão e gente de todo o país dançando e se divertindo até o céu tingir-se de azul claro. Este ano letivo, o meu primeiro, tivemos como atrações principais o Seu Jorge, Daniela Mercury, Richie Campbell e uma banda de rock portuguesa numa vibe que é mistura de Capital Inicial com Mamonas Assassinas, os Xutos e Pontapés. Essa mamata costuma ocupar uma semana no começo de maio. 

II - As outras semanas 

A Universidade de Coimbra, como a grande maioria das universidades europeias, é adepta do Processo de Bolonha. Neste documento ficam estabelecidos três anos de estudos para licenciaturas e dois para mestrados. Em contrapartida ao período reduzido de estudos, os alunos passam a ter uma carga horária mais flexível e menos aulas por semana. A ideia é que haja uma transposição do trabalho de dentro para fora da sala de aula. Espera-se que os alunos estudem mais do que estudariam simplesmente por receberem infindos perdigotos de professores enchafurdados em palanques cerimoniosos. O êxito académico fica à mercê da boa vontade e do bom senso dos estudantes. Para além disso, a minha faculdade, a Faculdade de Letras, realizou uma mudança estrutural há três anos que cede aos alunos o livre arbítrio na composição de sua grade curricular. Há apenas quatro cadeiras (matérias) obrigatórias. Deve-se concluir mais 14 dentro de uma oferta de 25 cadeiras. Sobra ainda espaço para fazer um menor, que é uma pequena especialização em outro curso oferecido pela Faculdade, constituído de cinco cadeiras. Por exemplo, pretendo tirar a minha licenciatura em Jornalismo e Comunicação com menor em Filosofia. Há ainda a oportunidade de estudar quatro cadeiras aleatórias e desconexas entre si de qualquer outro curso da Faculdade. No final dos três anos de licenciatura deve-se somar 180 ECTS (créditos europeus, transferíveis de universidade para universidade através de programas de intercâmbio dentro do espaço Schengen). Cada cadeira vale seis créditos. Não sei se os números batem, por favor não me façam mais perguntas sobre o assunto. 

Isso para dizer que um estudante em Coimbra tem completa independência na gestão de seu tempo. Eu divido o meu em três vertentes fundamentais. A primeira, que por vezes é a mais fastidiosa e monótona, são os estudos académicos. 

A segunda trata-se do Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra, jornal da Associação Académica criado e administrado por estudantes e somente por estudantes. O jornal oferece o seu curso independente de jornalismo. Recebemos formação através de diversos módulos. Já tivemos módulos de reportagem, conceitos fundamentais do jornalismo, economia, fotografia, paginação, entre outros. Bato o ponto uma vez por semana no jornal para escrever para a página online. Quando trabalhamos para a versão impressa preciso comparecer mais vezes à secção. Neste momento estou trabalhando numa reportagem sobre a visibilidade dos estudantes do Timor-Leste em Coimbra, oriundos de um dos poucos países oficialmente lusófonos cuja população não fala o português como língua materna. 

A terceira vertente resume-se ao meu estágio no gabinete de comunicação da UC, onde produzo conteúdos escritos e multimédia para a página institucional da Universidade. Aqui respondo a duas chefes que me dão aconselhamento jornalístico inestimável, apesar de que a minha ocupação no estágio por vezes não é jornalística.

O pólo I da Universidade (o campus histórico) ocupa a parte mais alta da cidade. Nele estão faculdades que ocupam prédios centenários. Outros edifícios datam do tempo em que Salazar investiu pesado para incrementar a sua Universidade. O resultado foi uma série de caixotes tingidos de cor de areia, com fachadas fascistas e imponentes, ornados com homens em pedra que fazem referência à herança clássica. Na porta da Faculdade de Letras estão Aristóteles, Tucídides, Demóstenes e Safo. Aos pés da colina endeusada, contudo, está a Ágora. A troca de vivências é menos comedida nela. Sua égide disposta é a AAC, o refúgio dos estudantes. 

A Associação Académica de Coimbra é o cerne da representatividade e vivacidade estudantil. Seus corredores viram a articulação política de indivíduos que foram fundamentais na resistência contra a ditadura salazarista do Estado Novo. Nela estão todas as secções desportivas e culturais que garantem o rosado na bochecha dos alunos e alunas. Há o Círculo de Iniciação Teatral de Coimbra (CITAC), teatro de cunho experimental; o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), teatro universitário em atividade mais antigo da Europa; o grupo de coral Orfeon Académico; secções desportivas do radiomodelismo ao badminton e tudo que há no meio. Para os futuros jornalistas, há a Rádio Universidade de Coimbra, reconhecida a nível nacional, a TVAAC, que oferece formação aos pivôs e câmeras, e A Cabra, de jornalismo escrito.

Nos últimos dois meses me ocupei também com uma aula de ‘Como Escrever Canções’, ministrada pela cantautora Adriana Calcanhotto, embaixadora da UC no Brasil. 

Agora falando um pouco de moradia. Vivo numa casa compartilhada. São onze pessoas debaixo do mesmo teto. Eu, uma catalã, uma galega, duas portuguesas, um português, um italiano, três brasileiras e um outro rapaz brasileiro. Divido o banheiro com este brasileiro. Até que somos limpos. A casa é espaçosa e tem pé direito duplo em todos os cômodos. Vira e mexe há uma tentativa de dominação por pequenas formigas, mas até agora demos conta de afugentá-las. O aluguel é razoável e o senhorio faz o exímio favor de se fazer inexistente a maior parte do tempo. Não se pode colocar nada nas paredes, mas os moradores que desejam pendurar um quadro ou um pôster tapam depois o buraco com pasta de dente branca. Vi isto ser feito pela minha antiga vizinha de quarto italiana, a Gaia, que manja mais das maracutaias do que os brasileiros. 

A residência é muito tranquila. Da minha janela tenho vista para um descampado onde muitas pessoas levam os seus cachorros para passear. Um senhor em específico sempre prende a minha atenção pela manhã. Ele, todo franzino, conduz pela coleira um cão três vezes o seu tamanho. Basta eu tentar tirar uma foto que o quadrúpede se mete atrás de um arbusto para mijar. 

III - Por cá anda-se 

Ando para todo lado. A cidade é íngreme e hostil ao olhar pouco disposto, mas é pequena. De casa à sala de aula passo por um aqueduto romano, incontáveis estátuas e diversas construções esguias e típicas. Há qualquer coisa de provinciano no vento que por aqui sopra. Erro, entretanto, supor que não há o que se fazer. 

Todo dia encontra-se uma atividade cultural distinta, via de regra oferecida pela Universidade ou pela AAC. A cidade respira o teatro, e possui três instituições de ponta. O Teatro Académico de Gil Vicente tem programação diária, seja com grupos de leitura teatral ou com exibição de filmes de fora do roteiro hollywoodiano. Professores internacionais vêm aqui para dar palestras e conferências. A Casa é lar do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, carinha fácil em tudo que é evento de debate. Todas as terças e quintas os estudantes saem para beber e festejar. A Académica, time profissional de futebol, joga semana sim semana não no Estádio Cidade de Coimbra. O sol marca presença quase todos os dias do ano e a margem do rio é sempre atração gratuita. 

A cidade em si é um idílio, uma fantasia que infelizmente não tarda a acabar. Uma história que assiste o seu despertar por essas ruas estreitas insere-se num espectro humano que remonta aos primeiros ocupantes romanos que fundaram a confraria de Conímbriga. Do mesmo jeito que os riobranquinos o são para sempre, os que passam por aqui têm suas vidas atreladas à Coimbra por toda uma eternidade. Apesar de ter me mudado há pouco tempo, já sinto-me conectado a esta terra por laços umbilicais, por um elo inexorável. Acho engraçado como um pôr do sol sobre o campo do colégio ou sobre o rio Mondego despertam qualquer coisa de semelhante dentro de mim. 

Vittorio Alves é estudante de Jornalismo e Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Atua como colaborador no Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra, órgão da Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra, da qual é sócio ativo. Realiza também estágio no Projeto Especial Imagem, Media e Comunicação (PIMC) da Universidade de Coimbra.