Intervenções nos conflitos e construção de valores

by Colégio Rio Branco 29. maio 2017 10:06

Os conflitos são grandes oportunidades para validarmos valores. A afirmação é da doutora na área de Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação, Telma Vinha, que conversou com os pais, professores e convidados durante a edição especial do Encontro com a Direção, realizada nos dias 24 e 25 de maio.

A palestra “Intervenções nos conflitos e construção de valores” apresentou, além de importantes conceitos sobre o desenvolvimento da autonomia moral, dados e exemplos obtidos em diversas pesquisas desenvolvidas pela palestrante.

Telma iniciou a discussão apresentando um importante aspecto da moral: ela se restringe aos atos e não aos sentimentos. Por exemplo, uma pessoa pode sentir raiva ou inveja, mas a moral pode evitar que ela expresse esse sentimento por meio de uma ação de violência, como um tapa.

Em geral, entende-se paz como ausência de conflitos. Esses são parte integrante do desenvolvimento da autonomia moral. Assim como as consequências naturais dos conflitos devem ser experimentadas para favorecer esse processo de desenvolvimento. Conflitos naturais geram consequências próprias dos atos e ambos não devem ser evitados.

No que se refere à gestão de conflitos, há inúmeras possibilidades de crescimento: 

  • são excelentes oportunidades para que pais e educadores trabalhem valores e regras;
  • dão pistas sobre o que as crianças e jovens precisam aprender;
  • preparam crianças e jovens para o futuro: lidar com as amizades, com a mentira, com o medo e muito mais;
  • permitem a regulação dos sentimentos envolvidos e a oportunidade de encontrar soluções.

Aspectos sociais, afetivos e cognitivos

É um desafio para pais e educadores aprenderem a intervir nos conflitos, para favorecer o desenvolvimento da autonomia. Telma Vinha explicou que uma pessoa leva 16 anos, no mínimo, para aprender a regular suas emoções, e apresentou aspectos sociais, afetivos e cognitivos do desenvolvimento das crianças e suas estratégias a partir dos 3 anos de idade até a adolescência.

As crianças de 3 a 6 anos lidam com os conflitos a partir de estratégias momentâneas, impulsivas e irrefletidas, sem considerar os efeitos psicológicos gerados. Esses efeitos somente são identificados por dados observáveis, como um rosto triste ou algo assim. Por isso, as crianças tentam nos fazer rir quando estamos bravos, pois isso significaria o fim do conflito. Além disso, o conflito acaba rápido e não costuma retornar. A criança não tem noção de tempo, por isso, não é interessante que o adulto fique bravo por um longo período.

Com o desenvolvimento, há algumas mudanças. Os efeitos psicológicos passam a ser tão importantes quanto os físicos. As crianças param de brigar pela posse das coisas e passam a brigar pelo controle social. Outra mudança é que começam a aparecer estratégias de resolução de conflitos, embora elas não sejam coerentes com as ações.

Por volta dos 9 anos de idade, os efeitos dos conflitos começam a ser preservados por mais tempo e, na adolescência, iniciam-se as discussões de relacionamento e a ideia de que alguns conflitos podem fortalecer as relações e não enfraquecê-las.

A partir da adolescência, a maior causa de conflitos é a provocação, que une o humor com a agressão, sendo uma expressão muito ambígua, uma forma de controle social e de aproximação. A provocação gera prazer, por isso é tão difícil impedir essa postura.

A pessoa que provoca, geralmente, minimiza o efeito de sua ação, enquanto que o provocado minimiza a dor. O papel dos pais e educadores é apoiar a construção de estratégias de enfrentamento dos conflitos. Dentre elas, ignorar é menos eficaz do que reagir com humor. Vale destacar que o provocador precisa saber que suas ações podem gerar um ambiente tenso, sendo necessária a intervenção quando a provocação se torna excessiva ou até quando é antissocial, causando sentimentos ruins.

A provocação entre irmãos, por exemplo, deve ser tratada pelos pais com a expressão sincera do quanto essas situações deixam o ambiente tenso.

Como uma importante dica, Telma destacou a imensa contribuição das amizades para o desenvolvimento da criança e do jovem, como um fator de proteção e de regulação. Os pais devem estimular essas relações levando os amigos de seus filhos para sua casa, ao cinema e criando oportunidades de interação.

No dia a dia - estratégias

A orientação é não falar pela criança ou pelo jovem para resolver seus conflitos. O papel do adulto é ensiná-los a enfrentar a situação. Telma indicou que, para crianças pequenas, pais e educadores podem falar em seu ouvido frases curtas e com orientações de como elas devem falar ao outro para resolver o conflito, substituindo ações por palavras. Por exemplo, falar ao ouvido da criança: Diga ao seu amigo ‘Você me deixou triste’.

Vale destacar que não se deve tomar partido ou comparar as crianças umas com as outras.

Outra ação é usar a linguagem descritiva. Falar de fatos e sentimentos e não de aspectos de personalidade, focando o problema, pode transformar os conflitos, sem julgamento de valor. Por exemplo:

  • falar “Quando você age dessa forma, você me deixa chateada” é muito melhor do que falar “Você é chato”;
  • falar “Vocês estão saindo e deixando canetas e coisas no chão” gera mais resultado do que falar “Peguem os papeis do chão”.

Para fazer a gestão do conflito é preciso caminhar em direção ao sentimento, reconhecendo e entendendo:

  • “Entendo que os pais de seus amigos permitem que eles cheguem mais tarde e entendo que você também quer chegar mais tarde. Mas, aqui em casa é diferente, pois...”;
  • “Entendo que você não quer ir para a escola nova, sei que não é fácil, sei que pode dar medo, mas estarei com você, estarei te esperando na saída...”.

Perguntas importantes podem apoiar esse processo de gestão de conflitos:

  • Como você se sente a respeito dessa situação?
  • O que você pode fazer da próxima vez?
  • Como podemos resolver esse problema?
  • Você teria alguma ideia para essa situação?

Falta ou excesso de limite

Todos já ouvimos a justificativa de que determinado comportamento de uma criança ou jovem é em razão da falta de limites dados pelos pais. Telma Vinha destacou uma outra forma de avaliar a situação. Segundo ela, o excesso de limites ou até a concentração de regras em coisas que não são essencialmente formadoras podem acabar sendo encaradas pelas crianças e jovens como implicância. Ou seja, a mesma reação para questões de pesos diferentes podem gerar confusão. Por exemplo: ter a mesma reação para uma bagunça no quarto e para uma briga na escola.

Existem as regras convencionais, que são as estabelecidas socialmente, e existem as regras morais, pelas quais vale a pena se posicionar com mais intensidade. Quando a infração do filho ferir a moral, é preciso reagir, é preciso trazer a tona a reflexão para o filho: “O que você deveria ter feito diante disso?”. Embora ele não tenha feito a coisa certa, ele precisa saber o que teria sido correto.

Existem, ainda, as regras inegociáveis: questões relacionadas à saúde e segurança, ao bom estudo e aos princípios. Mesmo sendo inegociáveis, os pais podem dar opções aos filhos, estimulando a autonomia: “prefere passar protetor solar e brincar no sol ou não passar e brincar na sombra?”.

Com o desenvolvimento, é importante passar a envolver os filhos nas negociações para a gestão dos conflitos.

O caminho é o afeto

Telma Vinha destacou que o melhor caminho para a resolução dos conflitos é o afeto. Boas relações são fundamentais para que crianças e jovens tenham a confiança. Assim, é importante criar momentos especiais e exclusivos com os filhos. Às vezes momentos individuais com cada um deles. Relações de qualidade geram vínculo e sentido para se crescer com conflitos.

Saiba mais

Acesse a apresentação de Telma Vinha.

Confira o vídeo com Telma Vinha sobre o Encontro com a Direção Especial.

A formação de valores e a construção da autonomia moral de nossos filhos e alunos

by Colégio Rio Branco 16. novembro 2015 13:38

Em nosso Encontro com a Direção do mês de outubro, realizado nos dias 28 e 29, nas unidades Granja Vianna e Higienópolis, discutimos o tema “A formação de valores e a construção da autonomia moral de nossos filhos e alunos”.

Nossa conversa foi inspirada no vídeo Formação de Valores e no artigo “A construção da autonomia: uma conquista para toda a vida”, de Telma Vinha, pedagoga, doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Unicamp.

As pessoas enfrentam, a todo o tempo, dilemas morais e éticos e tomam atitudes diferentes diante das mesmas situações. Por que isso ocorre?

Para a educadora, é preciso ter conhecimento sobre as regras, o que deve e o que não deve ser feito diante das situações. Muitas vezes esse conhecimento não gera a ação. O que faz com que uma regra seja efetiva é a afetividade nela envolvida. O afeto faz com que as pessoas tenham valores.

A construção da autonomia moral se dá na interação, pois o ser humano é social. Jean Piaget, estudioso da psicologia infantil, diz que a criança nasce em estado de anomia, que é a ausência total de regras. Na idade até os 3 anos, a criança é voltada para suas necessidades básicas individuais. Dos 3 aos 8 anos de idade, a criança vive em estado de heteronomia, ou seja as regras e sanções veem de fora para dentro. Na autonomia, as regras e os valores estão incorporados ao indivíduo, não sendo, em situação ideal, necessárias sanções. A autonomia é adquirida quando as normas foram compreendidas e absorvidas. Existem diferentes níveis de hetoronomia e autonomia, inclusive no mundo adulto.

Coerência nas ações do dia a dia

Para dar significado às regras e princípios, fazendo com que se tornem valores, nós adultos precisamos criar mecanismos para que crianças ganhem, aos poucos, consciência de seus atos. Vale lembrar que quanto mais a pessoa entende que faz parte de um conjunto, de uma comunidade, de uma sociedade, mais se expressa a autonomia.

Essa trajetória não se estabelece apenas com o discurso. Não apenas falamos de ética e respeito, mas devemos viver situações que sirvam como exemplo para nossas crianças e jovens.

Educar é um exercício sem receita, vivido no dia a dia em família e na escola. Muito mais do que ser uma pessoa educada, é preciso formar pessoas que reconheçam a importância do outro.

Dar autonomia aos nossos filhos é permitir que eles assumam as consequências de seus atos. Ter autonomia é saber escolher e ter responsabilidade.

Coerência e constância nas ações e nas palavras. Essa é a grande resposta aos pais que querem dar bons exemplos aos filhos na construção da autonomia moral.

Como a escola trabalha a construção da autonomia

No Colégio Rio Branco, estimulamos em nossos alunos a ideia de projeto de vida. Nosso objetivo é fazer com que as crianças e jovens atuem para desenvolver projetos, criando metas de curto prazo, tendo em vista que pequenas metas se transformam em grandes realizações.

Entendemos que os alunos podem exercitar suas escolhas no espaço das atividades extracurriculares e dos módulos eletivos, que exploram o protagonismo, a criatividade, a inovação e as habilidades artísticas e corporais.

A afetividade é colocada em todas as ações do cotidiano, estimulando a reflexão e a compreensão das atitudes, dos sentimentos e das relações com o grupo.

Escolhas e consequências são vividas o tempo todo como elementos formadores de nossas crianças e jovens. Procuramos ensiná-los a fazer escolhas certas e a assumir as consequências de seus atos. Sanções eventualmente impostas vêm no sentido de fazê-los perceber, num universo coletivo, o quanto os atos individuais impactam no coletivo. É um grande aprendizado entre todos.

Como instituição ligada ao PEA - Programa de Escola Associadas da Unesco, o Colégio Rio Branco segue uma agenda que tem por princípio que a guerra está, principalmente, na cabeça das pessoas e, por meio da Educação, é que se pode desenvolver uma cultura de paz. Ações cotidianas, projetos e reflexões no ambiente escolar vão, gradualmente, contribuindo para a construção da autonomia moral e para a consolidação de valores sintonizados com a vida humana, com a preservação do meio ambiente e com a solidariedade.