Letramento racial é fundamental para uma educação antirracista

Saberes sobre questões étnicas, raciais e culturais da sociedade permitem ler o mundo de forma crítica e rever preconceitos; confira dicas de textos e autores

Em um país como o Brasil, com um passado atrelado historicamente à escravidão e a outras injustiças sociais, o letramento racial é importante para que as pessoas possam ser mais conscientes sobre seu lugar social e os papeis que desempenham na sociedade. E para que todos possam ser cidadãos plenos, tendo seus direitos respeitados e garantidos. 

“Letramento racial pode ser definido como um conjunto de saberes sobre questões étnicas, raciais e culturais da nossa sociedade a partir dos quais a gente pode desenvolver uma habilidade melhor de compreensão, análise e interpretação sobre determinados fenômenos, como o racismo”, afirma Caio Mendes, professor de História do Colégio Rio Branco.

Segundo ele, não se trata apenas de aprender um conjunto de palavras ou conceitos, mas de aprender a ler o mundo de uma maneira crítica. Dessa forma, torna-se possível reconhecer -- em si e nos outros -- atitudes e práticas que podem ser revistas (ou estimuladas) para que todos possam viver e conviver melhor. “Muitos especialistas em diversidade e inclusão, que estudam o ativismo negro, consideram que as práticas de uma educação antirracista devem partir do letramento racial”, completa.

O papel da escola  

Caio explica que, como muitas relações entre pessoas brancas e negras foram "naturalizadas" ao longo do tempo, a escola é um ambiente propício para discutir estereótipos, ampliar o repertório histórico-cultural e repensar jeitos de falar e maneiras de agir. “O contexto escolar é um espaço prioritário da aprendizagem, do diálogo, da convivência e da reflexão sobre a sociedade.”

Ele conta que o Rio Branco tem buscado ampliar as discussões em sala de aula de acordo com a faixa etária das turmas e por meio de diferentes componentes curriculares. A maior parte das reflexões ocorre nas aulas das áreas de Linguagens (como Língua Portuguesa e Artes) e Ciências Humanas (como Filosofia e História), além de estarem presentes em diferentes momentos dos Itinerários Formativos Integrados do Ensino Médio. 

Questões relacionadas ao tema também são frequentemente pautadas nas propostas de redação e de leitura dos livros paradidáticos. Há ainda iniciativas realizadas no âmbito dos módulos interdisciplinares e dos projetos desenvolvidos, além de ações afirmativas e propostas de intervenção realizadas por grupos como a Monitoria e o Coletivo Humana Mente.

Contribuição dos pais

Além da escola, é importante que as famílias também estejam engajadas nessa questão, e o diálogo é uma das melhores formas de atuar. Para as crianças pequenas, Caio sugere usar histórias para conversar sobre nossa origem, identidade e ancestralidade. “Os livros também nos ajudam a perceber como o mundo é culturalmente diverso e como as pessoas podem conviver”, aponta.

Para os jovens, a literatura pode continuar ajudando a ampliar o repertório cultural e a pensar de maneira crítica sobre situações mais complexas, como crimes, dores e injustiças. 

Outra forma de contribuir é por meio do exemplo dado pelos adultos. Agir de maneira empática e respeitosa, além de não reproduzir estereótipos e disseminar preconceitos, é muito educativo. “Também devemos estar abertos a rever comportamentos, reconhecer nossas próprias limitações e estar sempre dispostos a aprender”, salienta. 

Diante do racismo estrutural, as ações podem ser variadas. “As contribuições que podem vir de indivíduos e famílias negras - em que ganham força as ideias de ancestralidade e afrocentrismo - podem seguir um caminho diferente daquelas realizadas por indivíduos e famílias brancas - que podem avançar na discussão sobre branquitude e reconhecimento de privilégios.”

Dicas de textos e autores

Para aqueles que desejam saber mais sobre essa temática, o professor cita algumas referências:

 

  • “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves

O romance, publicado em 2006, inspirou o samba-enredo da escola de samba Portela no carnaval de 2024. A fascinante história de uma africana em busca do filho perdido se tornou um clássico da literatura contemporânea. Pautado em intensa pesquisa documental, o livro é "um retrato original e pungente da exploração e da luta de africanos na diáspora e de seus descendentes, durante oito décadas da formação da sociedade brasileira".  Caio recomenda a visita gratuita à exposição homônima, em cartaz até 1º de dezembro de 2024, no Sesc Pinheiros, em São Paulo (SP).

 

  • “Pele negra, máscaras brancas”, de Franz Fanon

Um dos textos mais influentes dos movimentos de luta antirracista desde sua publicação, em 1952. O autor articula conceitos da filosofia, psicanálise, psiquiatria e antropologia, e autores como Hegel, Sartre, Lacan, Freud e Aimé Cesaire.

 

  • “O pacto da branquitude”, de Cida Bento

A autora foi eleita em 2015, pela The Economist, uma das cinquenta pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade. Na obra, ela denuncia e questiona a universalidade da branquitude e suas consequências nocivas para qualquer alteração substantiva na hierarquia das relações sociais.

 

  • “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório

Vencedor do Prêmio Jabuti na categoria “romance literário”, fala sobre identidade e as complexas relações raciais, violência e negritude.

 

  • “Amoras”, de Emicida

Primeiro livro infantil do rapper Emicida, um dos mais influentes artistas da atualidade. Ele mostra, por meio de seu texto e das ilustrações de Aldo Fabrini, a importância de nos reconhecermos no mundo e nos orgulharmos de quem somos -- desde criança e para sempre.

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