“Eu sou” vs. “eu tenho”: como abordar a questão do consumo com as crianças e os adolescentes

Marcia Chammas, orientadora educacional do Colégio Rio Branco, ressalta a importância de, desde cedo, as pessoas valorizarem o que consomem

O primeiro grupo social ao qual, geralmente, uma pessoa pertence é a sua família, sendo esse o seu primeiro parâmetro de relações afetivas. Nesse núcleo, o indivíduo conhece mais sobre as suas características, as dos outros e, claro, sobre o mundo. Por isso, além de cuidar dos filhos, os pais devem estar atentos ao comportamento deles, inclusive sobre o que pedem e o que consomem.

“Os bebês descobrem desde cedo que suas necessidades podem ser saciadas rapidamente. As sensações de fome, frio, calor, desconforto, dor e até solidão, após resmungos e choros, são resolvidas ‘magicamente’ pelas pessoas que os cercam. Com o passar dos dias, meses e até anos, essas mesmas crianças descobrem que, não só suas necessidades podem ser saciadas, mas também seus desejos”, diz Marcia Chammas, orientadora educacional do Colégio Rio Branco.

A partir desse momento, as crianças constroem meios para terem suas vontades atendidas – sejam elas em relação a comidas, jogos, brincadeiras, atividades ou bens materiais. Algumas utilizam um sorriso, outras as lágrimas e as mais articuladas, o discurso. Nesses cenários, os pais iniciam um processo de filtrar o que dar ou não ao filho.

A linha tênue entre consumo e consumismo

É fato que o consumo é uma necessidade do ser humano, tanto para o bem-estar físico quanto emocional. Porém, no mundo atual, vale um questionamento: por que tantas pessoas ultrapassam o básico e consomem em excesso?

“A resposta para essa pergunta é dada pela neurociência: mecanismo de recompensa. Esse mecanismo não está apenas presente no cérebro humano, mas no de outros animais também. Graças a ele, as espécies podem melhorar sua adaptação ao meio ambiente, garantindo a sua sobrevivência. O cérebro é estimulado a repetir a ação ou o comportamento que gera resultados positivos ou sensações de prazer, possibilitando um aprendizado”, explica Marcia Chammas.

Como nem todos os prazeres são fundamentais para a sobrevivência dos indivíduos, a profissional enfatiza que é papel da família e da escola ajudar as crianças e os adolescentes a identificar a diferença entre o consumo e o consumismo – que configura o hábito de comprar excessivamente, muitas vezes, itens supérfluos. 

Valorizando o dinheiro e as compras

Para abrir a conversa sobre a importância de valorizar o que se tem, Marcia retomou o seu primeiro ano de faculdade, quando trabalhou como auxiliar de classe aos 17 anos. “Lembro bem da sensação que tive quando vi meu esforço sendo recompensado com meu primeiro salário: êxtase. Até então, como a caçula de uma família de classe média, com o privilégio de estudar em boas escolas particulares (um valor para os meus pais), amava tudo o que tinha, mas não tinha tudo que amava. Foram muitos ‘nãos’ aos pedidos que fiz quando criança e adolescente.” 

Mesmo que a quantia recebida pelo trabalho fosse pequena, a educadora conta que isso a fez valorizar o que já tinha. Durante a infância e a adolescência, seu pai sempre disse que “se você precisa de algo, este algo nunca será caro”, o que contribuiu para que ela aprendesse o que era essencial comprar. 

“Eu tenho” vs. “eu sou”

Na formação das novas gerações, um dos principais papéis da escola e da família é o ato de reconhecer o outro. Isso gera uma das formas mais genuínas de satisfação pessoal, que independe de bens materiais ou outras aquisições supérfluas.

Ao olhar para o binômio “‘eu tenho’ vs. ‘eu sou’”, é fundamental que os adultos auxiliem as crianças e adolescentes a priorizarem a própria personalidade e as suas relações afetivas, de modo que essas não sejam determinadas pela aparência ou pelas compras. Nesse quadro, o uso das redes sociais precisa ser supervisionado, para que a comparação midiática, com padrões irreais, não seja um obstáculo para o bem-estar emocional dos jovens.

“Apesar de cada ser humano ser único, sabemos que existem características compartilhadas por gerações”, diz Marcia. Então, é natural que as turmas tenham interesses – e desejos – em comum, mas isso nunca deve gerar um consumo inconsciente ou em excesso. Hoje, os jovens do século XXI já apresentam novas formas de aprender e de se relacionar com o mundo e, felizmente, um mundo mais sustentável e justo é um de seus grandes objetivos.

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