“Hoje nós vamos na casa da vovó?”: a importância da convivência com os avós

 

Por Bruno Camargo e Juliana Góis

“Felicidade foi-se embora 
E a saudade no meu peito ainda mora…”
(Felicidade - Lupicínio Rodrigues)

Nas ruas as decorações de Natal anunciam que o ano está chegando ao fim e no calendário já é possível contar os dias para a chegada das férias - tão esperada por todos, em especial, para nossas crianças e adolescentes. Nessa época, em um fim de domingo qualquer, com um bolinho de chuva em uma das mãos e uma xícara esmaltada na outra, me permiti uma viagem no tempo - em tempos tão complexos, convido você para essa experiência - e aposto num sorriso ao término dela.  

Qual lembrança vem primeiro à sua memória quando o assunto é “férias de verão”? Assim como muitos, eu gostava de visitar a casa dos meus avós. Eles moravam no interior de São Paulo e lá, sentada em banquinho vermelho de madeira, ouvia os contos do meu avô, enquanto sentia o aroma do café coado - minha avó tinha o dom de transformar carinho em saborosas lembranças. Você também conviveu com seus avós ou com pessoas de outras gerações quando criança? Sente saudade desses momentos? E nos dias de hoje? E os seus filhos? 

Não por acaso, essa reflexão se inicia com uma doce memória: um convite para um passeio ao passado e com questionamentos sobre as relações que se dão no presente. Não é novidade para ninguém que nós, adultos, pais e/ou educadores, somos uma importante referência para nossas crianças. 

O psicólogo Bruno Camargo, que se dedica ao estudo do envelhecimento humano aponta como recorrente a queixa de sofrimento associado ao etarismo, preconceito e discrimicação devido à aparência ou idade avançada. Ele reforça, ainda, que muitas dessas condutas se iniciam dentro do ambiente familiar: “quanto mais distanciamos o nosso olhar para os idosos, mais distanciamos as crianças e adolescentes do convívio com seus avós, mais aumentamos e alimentamos a discriminação”. Uma ressalva importante é que, por diversos motivos, nem sempre esses momentos são tão frequentes quanto gostaríamos. Contudo, não se trata aqui de quantidade de tempo, mas sim da qualidade do mesmo.

Ele, inclusive, nos conta que mesmo não convivendo tanto quanto gostaria com seus avós, carrega consigo nítidas memórias de coisas que aprendeu, histórias que ouviu e comportamentos que observou. Lembra-se do ritmo mais lento do caminhar, das conversas longas e de precisar exercer a paciência e a espera ao explicar alguma atividade que não era de domínio deles, além de admirar a relação de carinho, cuidado e respeito que seus pais tinham com os pais deles. Veja quão ricos são esses momentos! 

A convivência entre crianças e pessoas idosas pode reforçar os laços de afeto e diminuir o medo e intolerância ao envelhecimento humano, gerado pela falta de convivência, aprendizado e empatia. Gerações diferentes e distantes uma da outra tem muito que aprender e trocar nessa relação. Logo, é muito importante para uma criança conviver com seus avós, ou com outras  pessoas de diferentes idades, seja um tio ou tia, professora ou professor, funcionário, entre outros. Para facilitar e incentivar que esse vínculo se estabeleça, os pais são fundamentais. São eles que fazem a apresentação inicial, introduzem o convívio entre as gerações de forma natural e estimulam que ela aconteça espontaneamente. 

Uma das habilidades mais relevantes desenvolvidas a partir dessa conexão, e que infelizmente anda muito em falta em nossa sociedade neste momento, é a tolerância. A criança ajuda o idoso a ter mais tolerância com esse mundo novo que se apresenta e o idoso ajuda a criança a ser mais tolerante com o outro, seu ritmo de vida e suas limitações que aparecerão ao longo dos anos.  

Por fim, ilustro mais três benefícios oriundos dessa relação:

  1. Redução do risco de depressão para os avós e para os netos: segundo um estudo realizado pelo Instituto do Envelhecimento da Universidade de Boston, a saúde mental de avós e netos é melhor quando recebem apoio uns dos outros. 
  2. Melhor qualidade de vida e bem-estar para os avós. Segundo uma pesquisa realizada pelo inglês James Bates, Especialista em Bem-Estar Familiar, os participantes que cuidaram dos netos apresentaram melhor qualidade de vida e bem-estar, enquanto as avós que conviveram mais com as crianças da família, demonstraram menores chances de sofrerem com doenças cognitivas como o Alzheimer.
  3. Menor probabilidade de apresentar sintomas de ansiedade e depressão no futuro. O estudo realizado por por Sara M. Mooman e Jeffrey E. Stokes, aponta que o contato e a afinidade com os avós favorecem o bem-estar emocional das crianças. 

É nosso papel diminuir as distâncias entre gerações e são incontáveis os benefícios que se desenrolam no fio deste carretel. Se o dia a dia é permeado por compromissos, as férias estão aí e talvez seja um bom momento para responder de forma afirmativa a primeira parte do título desse texto: “- Sim, hoje é dia de ir na casa da vovó!”.



Juliana Góis
é Orientadora Educacional de Apoio à Aprendizagem no Colégio Rio Branco, psicóloga e psicopedagoga, especialista em Neuropsicologia e mestre em Neurociência. Atua na área clínica e educacional.


Bruno Camargo
é psicólogo clínico em São Paulo, especialista em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, com Formação em Terapia Cognitiva Comportamental pelo Centro de Terapia Cognitiva Veda.

Comentar