“Na volta a gente compra”: as pequenas mentiras contadas para crianças

Foto: Ilustração (ThinkStock)

Vamos parar um pouco e pensar nas “mentirinhas” que às vezes são contadas paras as crianças? Frases como “a mamãe vai ao mercado e já volta”, “na volta a gente compra ”, “não vai doer” e “não foi nada” são algumas, entre tantas outras, que ouvimos ou mesmo contamos. Se não prestarmos atenção elas podem ser ditas quase sem perceber e, infelizmente, até tornarem-se rotineiras.

A questão é que com palavras simples e sem longas explicações poderia ser dito a verdade: “A mamãe vai sair e volta para casa no final do dia, mas ela adora voltar para te encontrar”; “Nós não vamos comprar esse brinquedo hoje, podemos brincar com os seus quando chegarmos em casa”; “A picada da vacina vai doer e logo vai passar, se quiser posso segurar na sua mão”; “O ralado no joelho deve estar incomodando... machucou, mas não é preciso se preocupar. Vamos lavar, fazer um curativo e você pode continuar brincando com seus amigos”.

Não é necessário e nem tampouco recomendável tornar cada situação do dia-a-dia “um grande evento”. Quem convive com crianças sabe que se valorizamos em demasia um tropeço, por exemplo, podemos potencializar o susto e até fazê-las chorar ainda mais. Contudo se formos coerentes e sinceros ela se sentirá acolhida e segura.

As pequenas mentiras não são ditas por mal, ao contrário, muitas vezes são bem-intencionadas e a curto prazo podem parecer uma solução rápida e fácil, porém é preciso pensar na mensagem que estamos passando às crianças assim como nas possíveis consequências a posteriori.

Numa breve reflexão podemos ponderar acerca do conflito que se impõe na relação de confiança entre a criança e o adulto quando, por um lado, o adulto ensina repetidas vezes que mentir é feio, que precisamos sempre dizer a verdade, que se a criança mentir as pessoas vão passar a não acreditar nela etc.; e, por outro lado, ele mesmo conta diversas “mentirinhas” no dia-a-dia.

Um estudo recente, publicado em janeiro de 2020, no Journal of Experimental Child Psychology, realizado com 379 adultos jovens, revelou que aqueles que ouviram mentiras regularmente na infância costumam contar mais mentiras quando crescem em comparação aos que não ouviram. Além disso, a análise das respostas obtidas a partir dos questionários apontou para uma maior probabilidade de dificuldades psicossociais e de decepção em relação ao comportamento dos seus pais. Em uma esfera mais ampla, os achados dessa pesquisa sugerem que as mentiras podem exercer um impacto negativo no funcionamento psicossocial das nossas crianças em etapas seguintes da vida.

Quando somamos a estes dados as considerações iniciais desse texto, nos deparamos com a importância de os adultos estarem cientes dos riscos a longo prazo e considerarem a possibilidade comportamentos alternativos à mentira, tais como reconhecer o sentimento da criança, fornecer informações para que elas saibam o que esperar, oferecer escolhas e possibilidades de solução para os problemas que podem vir a surgir.

Se partirmos da premissa de que dizer a verdade permite uma relação com base na confiança e favorece o desenvolvimento das habilidades socioemocionais da criança, acreditamos que é de grande valia o esforço para evitar as tão conhecidas “mentirinhas”.

 
 

Juliana de Oliveira Góis - Orientadora pedagógica de apoio à aprendizagem do Colégio Rio Branco
Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina de São Paulo. Graduada em Psicologia, com especialização em Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua profissionalmente na área clínica, com ênfase em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo Comportamental. Experiência na área educacional e no trabalho com alunos com necessidades educativas especiais.
 

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