Experiências docentes com o ensino remoto emergencial

Por Carolina Sperandio e Henrique Bovo


Imagem: Arquivo/Colégio Rio Branco

O ano de 2020 ficará marcado na história e sobretudo na memória de quem está sofrendo as consequências da pandemia da Covid-19. Até então vivíamos uma vida conhecida com rotinas e dinâmicas sociais estabelecidas e de certa forma previsíveis, apesar dos inúmeros desafios enfrentados por cada um. De repente nada, ou quase nada, do que fazíamos podia continuar sendo feito do mesmo modo e tivemos de encontrar outro jeito de viver, conviver, consumir, se comunicar e essa urgência se tornou uma grande catalisadora das mudanças que estamos vendo em muitos setores da sociedade e no mundo.

A Escola foi, e ainda está sendo, uma das instituições mais impactadas e castigadas pela pandemia. Hoje, praticamente 7 meses depois da chegada da pandemia ao Brasil, em sua maioria elas continuam fechadas, apesar de alguns estados já terem autorizado o retorno às aulas presenciais até o momento. Embora, como no estado de São Paulo, estejamos nos preparando e aguardando mais orientações dos órgãos oficiais e de saúde para o retorno presencial, há muito mais protocolos e perguntas do que certezas e respostas. Nunca a Educação dependeu e valorizou tanto a Ciência: duas ‘áreas-irmãs’ na produção de conhecimento que agora estão no centro do palco.

Sabemos que futuramente teremos de dar conta dos impactos, muitos ainda desconhecidos, desse período na formação integral de nossas crianças e jovens. Impactos que vão muito além de questões curriculares, reconhecendo a importância e o papel da escola para a construção social das pessoas. Por esse motivo, estamos fazendo o que está ao nosso alcance para oferecer aos alunos oportunidades de interação, aprendizagem e continuidade de desenvolvimento.

É fato que as escolas estão com seus portões fechados, suas instalações vazias e vive um momentâneo silêncio que não combina com sua natureza, mas isso não as impediu de continuar buscando cumprir seus objetivos, fazendo jus à sua missão. E já que os alunos não podem ir à escola, ela está indo à casa deles e no meio desse caminho encontramos um mundo de descobertas.

É verdade também, que as tecnologias digitais têm sido fundamentais, pois têm permitido que a escola vá à casa de cada um, mas são os professores que estão lá com eles. Ao abrir a câmera e ligar o microfone a magia da relação acontece: o olhar, o sorriso, a voz, a presença, a troca, a construção coletiva e também o reconhecimento de nossas vulnerabilidades e de todo o nosso potencial. Nunca os professores foram tão necessários e visíveis, mas o trabalho é árduo e solitário e depende do aluno: é uma relação interdependente. A comunicação sempre depende do outro e neste caso, motivá-los, mantê-los engajados, fazê-los interagir, tem sido um desafio ainda maior no mundo virtual e nesse campo apesar de algumas derrotas, temos muitas vitórias.

Num ano atípico, em que até os feriados do primeiro semestre mudaram de data na tentativa de manter o distanciamento social, este texto tem como objetivo ser uma homenagem, antecipando assim, uma outra data comemorativa: o Dia dos Professores.

Uma celebração

No dia 01 de setembro, mais de 150 educadores participaram de um evento ao vivo pelo Youtube, para compartilhar práticas pedagógicas. A edição intitulada neste ano de CompartilhaShow, e que contou com a presença ilustre do professor e pesquisador José Moran, apresentou 16 experiências com o ensino remoto emergencial sob 3 eixos que se traduziram por algumas das referências encontradas no livro Metodologias ativas por uma educação inovadora, organizado por Lilian Bacich e o próprio professor José Moran:

Interação (com os alunos e entre os alunos)

“As tecnologias facilitam a aprendizagem colaborativa. [...] É cada vez mais importante a comunicação entre pares, dos alunos entre si, trocando informações, participando de atividades em conjunto, resolvendo desafios, realizando projetos, avaliando-se mutuamente. Fora da escola acontece o mesmo, na comunicação entre grupos, nas redes sociais, que compartilham interesses, vivências, pesquisas, aprendizagens. A educação se horizontaliza e se expressa em múltiplas interações grupais e personalizadas. p. 11”

Estratégias didáticas com recursos digitais

“A combinação de metodologias ativas com tecnologias digitais móveis é hoje estratégica para a inovação pedagógica. As tecnologias ampliam as possibilidades de pesquisa, autoria, comunicação e compartilhamento em rede, publicação, multiplicação de espaços e tempos, monitoram cada etapa do processo, tornam os resultados visíveis. [...] Elas diluem, ampliam e redefinem a troca entre espaços formais e informais por meio de redes sociais e ambientes abertos de compartilhamento e coautoria. p. 12” 

Produção dos alunos (produção e não consumo de conteúdo)

“O papel ativo do professor como designer de caminhos, de atividades individuais e em grupo é decisivo e diferente. O profº torna-se, cada vez mais, um gestor e orientador de caminhos coletivos e individuais, previsíveis e imprevisíveis, em uma construção mais aberta, criativa e empreendedora. [...] Cada estudante, em cada fase da vida, avança na autonomia na aprendizagem grupal, colaborativa, compartilhada com mediação de pessoas mais experientes em diversas áreas do conhecimento. p. 10” 

As práticas relatadas mostraram a capacidade de reinvenção do professor e da escola apesar do cenário caótico e contaram com a utilização de inúmeros recursos digitais, plataformas adaptativas e apps, ilustraram possibilidades com atividades síncronas e assíncronas, revelaram-se potentes para promover a participação ativa, estimular o protagonismo, desenvolver competências socioemocionais como trabalho em equipe, independência e persistência, ampliar repertório cultural, ético e estético e sobretudo mostraram professores ao lado dos alunos buscando seu desenvolvimento pleno e manutenção dos vínculos independentemente da distância. Não há dúvida, a cooperação e o trabalho coletivo, a flexibilidade mental e criatividade, a humildade pedagógica e a troca de conhecimentos serão habilidades cada vez mais valorizadas e necessárias aos educadores do Pós-Pandemia.

Ações como o CompartilhaShow são boas oportunidades para o fomento de uma cultura docente cooperativa, pois estimulam a ação reflexiva e olhar para os pares traz ao mesmo tempo inspiração sobre possibilidades do fazer cotidiano e parâmetros para reflexão sobre sua prática.

Por outro lado, os desafios, muitos inclusive já enfrentados antes, estão ainda mais evidentes e precisam ser enfrentados: a falta de domínio completo dos recursos tecnológicos, a sobrecarga emocional e de trabalho agora à frente do computador, a dificuldade em  adequar a transposição do modelo presencial para o virtual, a falta de controle sobre as situações de aprendizagem, a preocupação em alcançar a todos, mantê-los motivados e aprendendo, a insegurança com a exposição no mundo virtual, o questionamento sobre a validade da avaliação no ensino remoto, as dificuldades naturais para se revisar crenças e concepções de ensino e as incertezas sobre o futuro que se apresentam diante de nós.

As instituições de ensino, professores e alunos do ano de 2020 não serão mais os mesmos depois dessa experiência, e nem podem ser, e os que virão depois de nós precisam se beneficiar da metamorfose pela qual a escola está tendo de passar hoje. Precisamos sair diferentes dessa experiência e deixar um legado de aprendizagem que seja capaz de dar continuidade ao processo para renovar profunda e definitivamente o sentido da Escola. Que possamos ver a Educação, de fato, como pauta importante e tratada com a seriedade que merecemos, pois continuar negligenciando-a, significa comprometer de forma ainda mais definitiva o futuro de milhares de crianças e jovens que encontram na educação a única possibilidade de mudar de realidade.

Aos professores que estão se reinventando para enfrentar os múltiplos e inéditos desafios da docência no ano de 2020, o nosso mais profundo respeito.

 

Referência:

Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática/Organizadores, Lilian Bacich, José Moran. - Porto Alegre: Penso, 2018.

 


Carolina Sperandio é coordenadora pedagógica do Colégio Rio Branco - Unidade Granja Vianna.
Pedagoga e psicopedagoga com pós-graduação em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduada em Tendências Emergentes em Educação pela Tampere University of Applied Sciences (TAMK), Finlândia e pós-graduação em Educação: Metodologias, Tendências e Foco no Aluno pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Nas horas livres, gosta de escrever sobre educação inspirada em coisas simples da vida.


Henrique Bovo é coordenador pedagógico do Colégio Rio Branco – Unidade Higienópolis.
Historiador, mestre em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Educação Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública. Pós-graduado em Tampere University of Applied Sciences (TAMK), Finlândia. É professor e participa de projetos de pesquisa voltados à inserção de tecnologias e mídias no contexto escolar. Ministra cursos, workshops e palestras sobre Educação e tecnologias e é Integrante do grupo de pesquisa Linguagem em Atividades no Contexto Escolar e pesquisador do projeto Digit-M-Ed Brasil.

 

 

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