O aluno, o professor, o risco e a disposição para ensinar

Foto: Ilustração (iStock)

No auge do que-fazer desesperador desses tempos de pandemia, entre novas e mais outras planilhas de replanejamento, tendo que processar o excesso de informações que chegavam aos montes de todos os lados e já certa de que aquilo tudo não ia ter jeito de acabar bem (a esperança era que acabasse logo), encontrei-me imersa em um questionamento: um minuto, alto lá! Quando educar não é missão impossível?

Então dei-me conta de que sempre foi. O risco é parte indissociável do processo de ensino-aprendizagem. Todos os dias assumimos, ao pisar em sala de aula, o risco de não sermos entendidos, de não alcançarmos quem mais nos interessa: o aluno, em sua individualidade e complexidade.

O desafio, então, migrara de plataforma, mas permanecia existindo. Por um lado, assim como as paredes físicas da sala de aula (e a lousa ou o projetor ou tantos outros recursos pedagógicos que tínhamos em mãos na antiguidade de 6 meses atrás) não garantiam o sucesso pedagógico no modo automático, também agora, diante dos desenhos desse novo cenário, as certezas inexistem. Por outro lado, assim como era no velho normal, os ingredientes essenciais para desanuviar as incertezas permaneciam presentes, ainda que separados por uma tela de computador: o aluno, o professor, o risco e a disposição para ensinar - e esses eram velhos conhecidos. Essa equação dominávamos, então podíamos lidar.

E lidamos. Cá estamos, vivos ainda. Reinventados com certeza. Colecionando novos erros, é verdade, mas também novos acertos (e já não era assim?). No fim, reexperimentamos todos os medos dos iniciantes. Reaprendemos a aprender, a sentir a insegurança do primeiro dia de aula e o frio na barriga de quando manipulamos o primeiro giz (convenhamos, não era mais fácil que compartilhar um slide). E como todo professor que encara o desafio de educar pela primeira vez, crescemos com a experiência e fizemos do novo risco, um velho conhecido.

No entanto, é preciso pontuar as ausências, que nem tudo é romance e esses tempos de distanciamento social nos sensibilizam, quase que automaticamente, a perceber o essencial, as perdas, a falta. Então é preciso dizer que esse foi um ano em que ficamos devendo os abraços! Ficam em débito as trocas agregadoras que naturalmente acontecem a partir do convívio físico e o olhar arguto treinado para perceber, no correr dos dias, a menor das mudanças de comportamento e humor (dos nossos alunos ou colegas de trabalho) para, em seguida, oferecer o ombro amigo aos que necessitam dele. Também cobraremos do destino o brilho nos olhos e as microexpressões faciais que denunciavam, certamente de modo mais preciso que as palavras no chat, quando éramos ou não entendidos pelos nossos educandos. E não é possível deixar de mencionar a falta que faz os sorrisos descontraídos das conversas desinteressadas no intervalo, de quando não tínhamos uma pandemia com a qual nos preocupar. São vazios que a tecnologia não preenche.

A verdade é que a gente lida e não deixa de educar, como deve ser, um dia de cada vez. Mas, entre nós, que saudade daquele nosso velho risco cotidiano!

 


Samara Machado dos Reis, professora de Língua Portuguesa.

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