Ponto de Vista

Liderança educacional de dentro para fora

Por Esther Carvalho

O exercício da liderança de organizações educacionais, sejam elas de ensino básico ou superior, público ou privado, tem demandado constante aprimoramento de seus gestores. Lidar com as demandas da educação contemporânea, com as perspectivas estratégicas, visão de futuro e grandes objetivos a serem alcançados confunde-se com a complexidade da cultura organizacional, com os problemas e com a rotina do cotidiano. Não podemos deixar de mencionar a exigência de indicadores internos e externos de qualidade em que se busca bons resultados sob várias perspectivas. Essas e outras variáveis na experiência de gestão fazem com que desafios se transformem em frequentes momentos de estresse.

Situações de estresse são muito frequentes e alimentam ciclos viciosos que geram efeitos em nosso cérebro e corpo, como: reagir sem pensar, sentir-se sempre apressado, sentir-se em estado de tensão, irritável, preocupado, ansioso, depressivo. Certamente, não são características específicas de lideranças educacionais. Surge, nesse sentido, a necessidade de se buscarem caminhos para lidar, com mais assertividade, com contextos desencadeadores de estresse - contextos esses que podem ser externos, mas, também, essencialmente internos, advindos da forma como lidamos com as situações.

Em recente oportunidade de desenvolvimento profissional, em programa na Universidade de Harvard, pude refletir, juntamente com lideranças educacionais de diversos setores e países, sobre o fortalecimento interior de líderes de sucesso. De abordagem interdisciplinar, o programa foi conduzido por profissionais de primeira linha, com experiências em pesquisas e aplicações em diferentes áreas como gestão, medicina, psicologia e meditação.

Uma das pessoas inspiradoras nesse sentido foi dr. Jerome Murphy. Com sua experiência de gestão da Harvard Graduate School of Education por quase vinte anos, atuando como vice reitor e reitor, especialista em Administração e Políticas Educacionais, dedica-se, hoje, ao ensino e à pesquisa, com foco nas oportunidades e desafios da liderança encontrados em momentos em que as organizações passam por consideráveis desafios e como os líderes podem saborear o prazer e suportar a dor nesses contextos.

Murphy traz, por exemplo os paradigmas da visão convencional de liderança educacional, que sugere um líder que atenda, pelo menos, a seis expectativas: a primeira delas é que tenha uma clara visão pessoal para ser definida para a organização. A segunda é que seja extremamente conhecedor, tendo a resposta certa para a maioria dos problemas. A terceira é que seja forte, demonstre iniciativa, coragem e tenacidade. A quarta é que seja eficiente comunicador, utilizando seus conhecimentos para impor sua visão agressivamente e persuasivamente. A quinta é que acumule poder e utilize-o para o aprimoramento organizacional. Finalmente, que seja uma pessoa que tome a frente dos problemas capciosos ao longo do caminho, ao mesmo tempo em que se move na direção de atingir suas visões pessoais. Segundo Murphy, essa é a visão de um líder como um leão. Sob essa perspectiva, não são considerados os aspectos dos bastidores e a liderança do cotidiano, preconizando uma imagem de líder heroico. Da mesma forma, são estabelecidos padrões de mensuração de sucesso não realistas que podem gerar o enfraquecimento de gestores conscienciosos, que esperam corresponder às expectativas e não se sentir à altura dessas expectativas. Outro aspecto interessante é que essa visão de heroísmo pode privar a organização de tratar problemas complexos com conhecimentos e participação mais ampla do grupo. Ignora, também, a liderança invisível de outros membros do staff em diferentes posições hierárquicas na organização. Buscando balancear essa visão, Jerome Murphy propõe o que ele chama lado não-heróico da liderança, revendo essas seis características mencionadas anteriormente: desenvolver uma visão compartilhada (além de definir uma visão pessoal); fazer perguntas (assim como ter respostas); saber lidar com as próprias fraquezas (assim como demostrar força), ouvir e reconhecer (assim como falar e persuadir); depender dos outros (assim como exercer poder) e delegar (assim como tomar conta). Segundo ele, essas não heroicas atitudes capturam o tempo, a atenção, o intelecto e as emoções dos líderes que, frequentemente, atuam nos bastidores e fazem com que as organizações educacionais sejam bem sucedidas.

Uma das características do estresse é que a grande maioria de nós dispende muito tempo e esforço tentando controlar coisas que não podem ser controladas - não estão na nossa esfera de atuação ou dispendemos, também, muito tempo e esforço com coisas que realmente, não precisam ser feitas por nós.

Em recente artigo publicado na Kappan Magazine de setembro, o dr. Murphy escreve “Dancing in the rain _ tips on thriving as a leader in tough times”- aspectos muito interessantes sobre como líderes que aprendem novas formas de responder ao estresse e desafios da liderança podem aprimorar sua performance e enriquecer suas experiências. Traz, como proposta, o desenvolvimento de três qualidades mentais a serem desenvolvidas: aceitar o próprio desconforto, observar os próprios pensamentos que se passam em suas cabeças e cuidar de si. Um dos caminhos para se obter essas qualidades é apresentado pelo conceito de Mindfulness, que tem origem nas práticas meditativas orientais, incorporado a programas de redução de estresse, como na medicina comportamental de John Kabat-Zinn. Trata-se de uma forma específica de atenção plena, em contato com a vivência do momento, de maneira intencional e sem julgamento. Ainda segundo o artigo, o treinamento em Mindfulness ajuda a cultivar outras quatro importantes qualidades de liderança: clareza e objetividade situacional; atenção focada nas tarefas; equilíbrio e resiliência.

Projetando essas características para o cotidiano de líderes educacionais, verificamos que, geralmente, estamos voltados para os desafios que se apresentam externamente, sem nos darmos conta dos próprios desafios pessoais nos momentos de estresse. Para Murphy, devemos desenvolver um repertório que nos possibilite lidar, com mais assertividade, com essas situações, comemorando vitórias momento a momento, compreendendo e aceitando melhor nossas características pessoais. Perseguindo nossos valores e sonhos com paixão e comprometimento, podemos obter nossa mais alta performance. A transformação da educação tem início na transformação de nossas mentes. Boa lição de casa!

 

Ponto de Vista
Esther Carvalho
Diretora-Geral do Colégio Rio Branco